Amigos se reúnem para oferecer um Natal mais feliz e afetuoso para centenas de crianças carentes do norte de Minas
A idealizadora do Ajude a Ajudar, Fátima Sanson |
Um grupo de voluntários se organiza para uma viagem cheia de emoção e solidariedade. Nas bagagens, além de brinquedos, roupas, materiais escolares e alimentos, há o enorme desejo de levar esperança e afeto ao Natal de crianças em situação de acentuada pobreza. Esse é o Ajude a Ajudar, campanha de voluntariado que, pelo décimo terceiro ano consecutivo, realiza uma festa recheada de doações e que conta com a presença especial de Papai e Mamãe Noel. Neste ano, o evento acontecerá no dia 12 dezembro em Berilo, Vale do Jequitinhonha e pretende atender mais de quinhentas cartas de crianças da região.
Meses antes da festa acontecer, a idealizadora da campanha, Maria de Fátima da Silva Sanson, 50, se reúne com os amigos para decidir que cidade será contemplada com o projeto naquele ano. Após a definição, que leva em conta quais municípios ainda não receberam o Ajude a Ajudar e quais demonstram ter uma grande necessidade, Fátima vai até o local para conversar com a assistência social e pedir que as crianças escrevam cartas direcionadas ao Papai Noel. Durante esse processo, as doações já começam a chegar e são guardadas nas casas dos parceiros. O Natal é a época escolhida pelo seu sentido de esperança, que, segundo Fátima, deve ser mantido na mente das crianças. “Vemos lá tristes realidades que podem ser amenizadas com uma gota de amor e de solidariedade por parte de cada um de nós numa época cheia de esperança, como é o Natal” expõe.
O Vale do Jequitinhonha recebe o projeto há 13 anos não por acaso. A região, que compreende 51 municípios, como Almenara, Araçuaí e Diamantina, é conhecida por unir belezas naturais a um alto índice de pobreza, com características que a assemelham ao sertão nordestino. Ribeirão, Vai Lavando, Coqueiros, Morrinhos, Lagoinha, São Joaquim de Baixo, Liveldia, Patronato e Cardoso são as comunidades de Berilo que receberão as doações do projeto neste ano.
Segundo Fátima, foram as dificuldades enfrentadas pelos moradores do Vale que a motivaram a começar o projeto, em 1996. “A miséria presente lá emociona e entristece” conta. No início, o trabalho era mantido com a ajuda da família, sendo a maior parte das doações feita com o dinheiro de faxinas que fazia fora do país. (veja quadro)
Nessa época, a voluntária afirma ter procurado ajuda de políticos e instituições para que a ajudassem com o trabalho. “Procurei muitas vezes, mas não tive respostas e desisti. Porém, isso nunca me desanimou” completa. Segundo ela, as cidades que recebem o Ajude a Ajudar reagem de formas diferentes quanto a auxiliá-la no trabalho. “Dependendo do lugar, o prefeito doa a acomodação, o hotel e comida para os dias que ficarmos lá. Mas se não fizerem, não tem problema. A gente vai assim mesmo” explica.
Foi a partir de 2005 que a campanha de Fátima passou a receber a ajuda de outras pessoas. São os parceiros e amigos que ajudam apadrinhando cartas, emprestando caminhões para o transporte das doações e com a casa, onde guardam todos os presentes. Fátima explica que as doações chegam durante todo o ano e são guardadas nas casas dos amigos. No fim do ano, um mês antes da festa acontecer, um parceiro empresta uma casa no Caiçara, onde serão reunidas todas as doações. “Os presentes são organizados por cartinha. São encaixotados e ficam prontos para ir para o caminhão. A casa fica recheada até o teto” descreve Fátima.
Uma das amigas que entrou em 2005 foi a quitandeira Maura Alves da Silva, 64. Maura conta que começou a ajudar por saber como é passar por dificuldades. “Comecei o trabalho porque fui pobre também e sei o quanto é difícil a vida”, conta. Foi por motivo parecido que Jupira Gertrudes Moraes, 67, e Luciana Farias dos Santos, 31, decidiram participar do voluntariado. “Fui criada com roupas doadas. Sei o quanto esse gesto é importante para a vida de uma pessoa” conta Luciana, que é a voluntária mais jovem do projeto. Dona Jupira explica que foi conhecer maçã e biscoitos também porque recebeu doações. “Sempre gostei de ajudar em trabalhos em prol de alguma causa social. Doar é muito importante. Ainda mais para quem já viveu isso na pele” explica a doméstica.
Voluntária durante o ano em uma Associação de Biscoiteiras, em Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, a aposentada Célia Ferreira Martins, 66, acredita que trabalhos de partilha ao próximo tenham o poder de contagiar outras pessoas. “Meus netos e filhos passaram a ser voluntários depois que conheceram o nosso trabalho no Vale” completa.
Uma das histórias mais emocionantes na opinião das voluntárias é a de uma menina de Chapada do Norte que nunca tinha comido chocolate. Segundo elas, a carta da menina explicitava o desejo de experimentar um bombom, pois ela sempre ouvia dizer que era um doce muito gostoso, mas que ela nunca tinha tido a oportunidade de comer. Sensibilizado, um médico de Belo Horizonte doou uma caixa com chocolates e brinquedos.
Para Sônia Custódia Menezes da Silva, 49, participante há 4 anos, a história mais marcante foi a de uma família inteira que portava o HIV, também em Chapada do Norte. “O menino pediu na carta que déssemos para ele, no Natal, um prato com um enorme pedaço de carne” conta Sônia. Esse, porém, não é um pedido incomum. Segundo a organizadora, o item que as cartas mais pedem é a cesta básica. “É muito triste ver crianças pedindo comida, algo tão essencial e que já deveria estar presente naturalmente em suas vidas, ao invés de um brinquedo, por exemplo”, opina Fátima.
As doações chegam o ano todo e vêm, em sua maioria, de amigos e padrinhos. A quantidade ainda é insuficiente para suprir a totalidade de cartas. “Temos muitas histórias e pedidos para atender e sei que vamos conseguir. Mas, para isso, precisamos da colaboração de outras pessoas para que a festa seja completa e para que possamos fazer um Natal diferente para aquelas crianças”, afirma Fátima. “Necessitamos, essencialmente, de cestas básicas e de roupas de criança em bom estado” complementa.
“A gente às vezes acha que tem um problema grave. Quando vemos aquelas pessoas passando tanta dificuldade e com aqueles sorrisos, vemos que não dá para reclamar. Nossas mínimas coisas são tão insignificantes perto de histórias assim” afirma Sônia.
UMA VIDA DEDICADA AO PRÓXIMO Dos cinquenta anos de idade de Maria de Fátima da Silva Sanson, 37 deles foram dedicados ao trabalho voluntário. Tudo começou aos 5 anos, quando – após sofrer um acidente – Fátima teve que ficar por 2 anos entre internações e cuidados de parentes. Aos 13 anos, Fátima começou a retribuir, ajudando sua tia numa gravidez de risco. “Fizeram tanto por mim que naquele momento eu percebi que era minha chance de agradecer por tudo, ajudando outras pessoas”. A partir daí não parou mais. Fátima conta que já chegou a hospedar em sua casa enfermos de várias localidades que vinham para Belo Horizonte se consultar e não tinham onde ficar. “Eles vinham para me casa e não queriam mais ir embora” relembra.
Fátima nunca teve um emprego formal e, para conseguir realizar seus trabalhos como voluntária, contou com a ajuda do marido e de suas viagens aos Estados Unidos. “Nos primeiros 7 anos do trabalho no Jequitinhonha eu mantinha o projeto praticamente sozinha. Eu ia para lá para trabalhar como faxineira. Com o dinheiro arrecadado, eu comprava os brinquedos e roupas para mandar para o Vale” revela.
Além do Ajude a Ajudar, Fátima trabalha em outros projetos durante o ano. Na Casa de Apoio Irmã Scheilla, na Pampulha – onde atua há 18 anos - e no Hospital Maria Amélia Lins, no bairro de Santa Efigênia, a voluntária faz serviços de barbeira. “Vou lá, faço a barba e o cabelo. Cuido da auto-estima deles” revela. Já no Hospital da Baleia, Fátima distribui materiais de higiene pessoal todas às terças-feiras, além de lanches para os pacientes.
Independente do local ou ocupação, o motivo para ser voluntária é um só. “Não tem preço, não tem explicação ver e sentir a alegria das pessoas quando são ajudadas. O sorriso de uma criança e de um senhor têm um valor inexplicável” conclui.
SERVIÇO O trabalho desenvolvido pelo grupo de amigos é apartidário e registrado em Cartório. Doações podem ser entregues à rua Crisandália, número 300, bairro Caiçara em Belo Horizonte.
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Fotos: Anderson Rocha