domingo, 27 de novembro de 2011

3ª idade, vida ativa

Era uma daquelas manhãs que pareciam adequadas para uma atividade física: o clima ameno, quase frio, era só mais um convite para o grupo que aguardava pelo início das aulas. Duas vezes por semana, mais de uma centena de pessoas se reúne em uma quadra de esportes, no bairro Padre Eustáquio, região noroeste da capital, para se exercitar. Às 7, a rotina encontrada pela reportagem é semelhante à de uma academia comum: alongamentos, música, exercício físico. Só um detalhe diferencia tudo: ali, todos os participantes têm mais de 50 anos de idade. É assim o Vida Ativa, programa da prefeitura de Belo Horizonte que oferece a oportunidade de se exercitar gratuitamente e com acompanhamento profissional. Os benefícios para quem está na chamada terceira idade são muitos.

É o caso de Olmida Marques de Souza, de 93 anos (isso mesmo: 93 anos). Ela freqüenta o Centro de Referência do Idoso, no Padre Eustáquio, uma das unidades do programa, há três meses. A professora aposentada conta que os exercícios físicos sempre fizeram parte da rotina, mas o diabetes a deixou afastada por oito anos. “Fiquei cega e surda por causa da doença. Eu não conseguia me virar sozinha na cama e precisava de alguém para cuidar de mim, para me levar ao banheiro”, explica. Com o tempo e o tratamento com os remédios específicos para o diabetes, a enfermidade foi sento atenuada. O incentivo para voltar às atividades físicas veio da filha, fisioterapeuta, e o resultado não poderia ser melhor. “Hoje minha saúde está ótima. É muito bom poder fazer exercícios novamente”, diz.

Assim como ela, cerca de outros cinco mil idosos estão cadastrados no Vida Ativa. Ao todo são 24 unidades em todas as nove regionais de Belo Horizonte. Em todas elas, além das atividades físicas, os participantes têm contato com palestras, passeios e lazer. “O nosso objetivo é contribuir com o envelhecimento saudável e a melhoria da qualidade de vida destas pessoas”, explica Ricardo Donizete, supervisor do programa na regional noroeste da capital. Segundo ele, as atividades são seguras para os idosos, já que são de baixo impacto. Antes de se cadastrar, o interessado traz um laudo médico que libera o participante para o exercício. “O atestado é uma segurança, já que às vezes a pessoa tem algum impedimento, como uma artrose (perturbação nas articulações)”, explica. Os exercícios não podem ser fortes porque a pessoa idosa não pode ter freqüências cardíacas altas. Além disso, há chances maiores de sofrer um AVC, o acidente vascular cerebral, conhecido popularmente como derrame. Para auxiliar em todos os exercícios, há uma equipe formada por um supervisor e por mais dois profissionais da área de Educação Física (um formado e outro em formação, estagiário).

Mesmo sendo exercícios de baixo impacto, as conseqüências da atividade são muito positivas. Segundo a educadora física, Fabíola dos Santos Silva, 24, o principal benefício visível é a melhoria no equilíbrio e na coordenação motora. “Para os jovens, subir uma escada é a coisa mais simples que existe. Para um idoso, não. Com o passar dos anos, a pessoa mais velha perde o equilíbrio, o que causa quedas e perda progressiva da capacidade de executar simples ações, como lavar uma louça ou dirigir”, explica. Além disso, o programa é terapêutico: Fabíola conta que os professores acabam sendo filhos, netos e quase psicólogos. “Muitos sofrem com os filhos, que os abandonaram ou não dão atenção. Eles chegam tristes e conversam com a gente e se sentem melhor”, conta. “Gosto demais de trabalhar aqui. É uma honra”, complementa.

Maria José da Conceição Almeida, 67, é exemplo de como o programa pode ajudar a se sentir melhor. A entrada no programa veio após a morte do marido e o início de uma depressão, há sete anos. “Minhas colegas me convidaram para participar. Insistiram. Comecei a ir por causa delas. Gostei e estou até hoje”, conta. Segundo dona Maria, hoje quem ajuda é ela. “Hoje, algumas das amigas até ficam desanimadas em vir. Eu não deixo. Vou lá e chamo pra vir comigo, para que elas fiquem animadas de novo”, complementa. A psicóloga Patrícia Freitas, 34, explica que o contato social é muito importante para os idosos. “Para as pessoas nesta faixa etária, é fundamental criar uma rede de relações sociais, uma vez que muitas delas não tem”, explica. Segundo ela, é comum muitas senhoras dedicarem a vida na educação dos filhos e, depois, vê-los partir. “Quando os filhos tomam seu rumo, sobra um espaço na vida desses pessoas que é preciso que seja preenchido de maneira positiva e produtiva”, afirma.

Para o aposentado José das Graças Zacarias, 63, neste um ano no programa, só bons resultados. “Fiquei muito mais disposto. Tô dormindo melhor, me alimentando melhor”, conta. Luiz Gonzaga de Magalhães, 68, entrou no programa na mesma época que o colega. Os benefícios também são parecidos. “Estou mais disponível e animado para fazer as coisas”, diz. “Jovens ou velhos, na melhor idade, como me sinto ou na idade mais nova, o exercício significa uma vida mais feliz, melhor”, afirma Luiz. “Tenho umas amigas muito desanimadas. Arrumam dor pra se queixar. É dor aqui, dor ali. Não pode ser assim”, complementa Maria José da Conceição Almeida.


MINORIA, MAS NÃO DEVERIA Qualidade de vida não tem sexo. Mas no Programa Vida Ativa, os homens ainda estão em menor quantidade. No Centro de Referência do Idoso, das 320 pessoas cadastradas nos turnos da manhã e tarde, cerca de 80% são mulheres. Para Ricardo Donizete, supervisor do projeto na regional noroeste da capital, um dos motivos pode ser que os homens tendem a gostar de atividades de força ou de cartas, por exemplo. “Os exercícios têm alongamento, dança, música. As mulheres parecem se sentir mais à vontade com esse tipo de atividade. Este tipo de atividade costuma agradar mais as mulheres, que parecem se sentir mais à vontade”, explica. Luiz Gonzaga de Magalhães, 68, sugere outra explicação. “Os homens parecem não necessitar de exercícios. Sou orgulhosos ou têm vergonha. E não deviam ter, já que é uma atividade tão boa para todos, homens e mulheres”, diz o aposentado que está há um ano e meio no programa.

Para a psicóloga Patrícia Freitas, 34, a menor presença de homens em programas e atividades que buscam cuidar da saúde é sintoma de um problema maior. Segundo ela, é característica do sexo masculino a resistência à procura de médicos, o que explica a morte precoce dos homens em comparação com mulheres idosas. Patrícia explica que quando eles chegam a descobrir uma doença grave, elas já estão em estágios avançados. “Analise pelas pessoas que você conhece. Geralmente, quem morre primeiro: o avô ou a avó? O pai ou a mãe?”, diz. “Temos um problema de saúde pública. Além do preconceito e da vergonha, os homens precisam cuidar mais da saúde”, afirma.




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Fotos: Anderson Rocha