O carro para e pessoas entram: podem ser amigos, em uma carona; podem ser passageiros, em uma viagem ilegal. Mais fotos, clique aqui. |
REPORTAGEM DE CAPA DO JORNAL MARCO
EDIÇÃO 276 (setembro de 2010)
ANDERSON ROCHA
Estação Eldorado de Metrô. 18 horas. Muita gente e muita correria para ir embora para casa após um dia de trabalho. Nas plataformas, passageiros aguardam os ônibus, as vans e os carros particulares clandestinos. Isso mesmo: o terminal por onde passam linhas de todas as regiões de Contagem e algumas de cidades da região metropolitana de Belo Horizonte convive com o transporte irregular de pessoas, através de carros de passeio e peruas ilegais.
Integrante do composto de 14 estações do metrô da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e único terminal do metrô fora da capital, a Estação Eldorado representa um ponto intermediário para quem vem de Belo Horizonte e quer seguir viagem em outra condução para dentro da própria cidade de Contagem, nos diversos bairros do município ou para quem vai para as cidades ao redor, como Betim, Pedro Leopoldo, Igarapé e Esmeraldas. Em todas as estações, 170 mil pessoas utilizam, diariamente, segundo dados da CBTU, o serviço de metrô pelas estações, incluindo a Eldorado, que recebe um contingente variado de passageiros. Para atender tanta gente, é necessário muito ônibus. Porém, quando a linha oficial de transporte não consegue suprir, uma parte da população procura alternativas, como o transporte clandestino.
Em dois na Estação Eldorado, a reportagem encontrou uma mesma van (veja a foto) oferecendo o serviço de transporte para passageiros que queriam ir para a cidade de Betim, distante cerca de 40 quilômetros de Contagem. O preço de três reais é o mesmo valor cobrado no ônibus. Mas as semelhanças entre ônibus e van param aí. O veículo, uma perua Sprinter, não necessariamente segue o caminho feito pelo ônibus: aceita-se modificar o percurso de acordo com a demanda dos usuários. O contato entre os interessados e o motorista e auxiliar do carro é feito às claras: não por acaso, os dois rapazes ficam na plataforma da estação pela qual passam os ônibus que levam para Betim. É comum ver filas formadas para esperar a chegada dos coletivos. E é neste mesmo local que os dois rapazes de aparentemente 25 e 30 anos oferecem o serviço, gritando o nome do destino da viagem. 20 minutos depois, o motorista já está com cinco passageiros que desistiram de esperar o ônibus e topam o serviço da van. Eles são levados até a van, que fica estacionada a aproximadamente 100 metros da plataforma, em uma via marginal à estação e lá aguardam a lotação do veículo e partem a caminho de Betim.
De forma parecida, os carros de passeio transportam passageiros. J. S., 37, é motorista de um dos carros que faz viagens menores, entre pontos específicos da cidade de Contagem, como o centro da cidade. São carros que levam até quatro passageiros, cobrando o mesmo valor da passagem de ônibus – R$ 2,30. O motorista transporta pessoas quase que diariamente no horário em que está indo e voltando do trabalho. “Vou trabalhar com o carro vazio. Na ida e na volta, passo sempre no mesmo horário em alguns pontos e acabo pegando pessoas e levando até o metrô, já que é caminho da minha casa, no Água Branca. Isso me ajuda a pagar o meu combustível”, explica. J. S. conta que acaba transportando as mesmas pessoas todos os dias e não considera algo ilegal. “Não faço intencionando o lucro. Viajo mesmo só porque estou passando no local e acabo levando as pessoas até o metrô”, conta. Questionado sobre a irregularidade, ele afirma que a fiscalização é pequena e difícil. “É difícil para eles fiscalizarem. Andamos com um carro comum, como vão saber que é um carro que transporta passageiros ou que está transportando amigos ou colegas?”, questiona.
Armando Rodrigues, coordenador de atendimento comunitário da Transcon, órgão que gerencia o trânsito em Contagem, explica que a fiscalização é feita em todos os pontos da cidade. O intuito é coibir a atividade irregular. Segundo ele, os carros particulares suspeitos são parados. Em agosto, nove veículos, entre vans e carros pequenos, foram apreendidos e multados pelo órgão. A Transcon ainda explica que o carro ou van abordado com transporte ilegal de passageiros é removido para o pátio da empresa e paga multas de reboque (R$ 120,00), diária (R$ 26,00) e multa de 1.200 reais. Em caso de reincidência, o valor é triplicado.
DE ÔNIBUS OU DE CLANDESTINO? O mecânico Leonardo Silva, 20, é uma das pessoas que já utilizou o serviço de transporte em carro particular. Segundo ele, era o veículo de um conhecido do bairro onde mora. No geral, porém, Leonardo tem motivos para preferir o coletivo. “Uso o ônibus porque a empresa me dá cartão de vale-transporte. O bom do carro é que não fica lotado igual ônibus. Encheu, pronto”, afirma. Já Paulo Campos, 23, encarregado de produção, afirma utilizar o transporte que passar primeiro. “Não tenho medo, mas só vou quando outras pessoas também vão”, afirma.
Para outras pessoas, o transporte clandestino é opção excluída de início. Depois de passar por uma situação de perigo, a auxiliar de escritório Andreza Martins, 33, nunca mais quis usar o transporte irregular em carro particular. Andreza conta que estava impaciente com a demora do ônibus e, ao passar um carro, ela e outras pessoas aceitaram ir pelo clandestino. “O motorista dirigia muito rápido, saía cortando outros carros no trânsito. Eu fiquei muito assustada”, conta. Segundo ela, utilizar um serviço assim é sempre arriscado, já que não é possível saber se a pessoa tem carteira de habilitação ou se obedece às leis de trânsito, por exemplo. A enfermeira Joana Pereira, 29, tem opinião semelhante. “Tenho medo de acontecer alguma coisa, como algum assalto. Não sei para onde o motorista pode me levar”, diz. Ela prefere aguardar a chegada do ônibus, mesmo que demore.
SEGURANÇA E FISCALIZAÇÃO Para todos os casos, incluindo a situação em que o passageiro diz conhecer o motorista de vista, a Transcon recomenda não utilizar o transporte. “Não se sabe quem está te transportando, se é apto ou não e se é uma pessoa séria. Temos casos registrados de estupros e assaltos”, afirma Rodrigues. Para o coordenador da Transcon, é sempre mais seguro utilizar os ônibus, pois eles passam por análises técnicas regulares, assim como os motoristas e cobradores que recebem treinamentos específicos. Além disso, ele explica que o coletivo oferece seguro de vida ao passageiro. Os carros particulares não funcionam com essa lógica. “Se acontece algo com um carro que transporta clandestinamente, o passageiro vai recorrer a quem?”, diz.
Além de trazer perigos para a população, o transporte irregular de passageiros incomoda as empresas de ônibus. João Alexandre Silva, assessor da empresa de ônibus São Gonçalo, acredita que o problema é fácil de ser resolvido, desde que a Transcon tenha uma presença mais constante no local, com uma guarita ou posto. “A Transcon não é atuante, não é incisiva. Se percebemos o transporte clandestino e ligamos para eles, não há uma solução”, conta. Segundo ele, já foi solicitado através de ofícios à empresa uma fiscalização mais intensiva no local.
Em Belo Horizonte, algumas vans dos conhecidos “perueiros” foram regularizadas e se tornaram o transporte Suplementar. Em Contagem, porém, não há planos para algo parecido, embora já aconteça a utilização de vans legais para o projeto Sem Limites, que transporta crianças e adolescentes especiais que freqüentam a escola pública na cidade.
Para tentar solucionar o problema da concorrência, a Transcon afirma que existe fiscalização em toda a cidade e que é inviável mobilizar a equipe para estar em um só local, como na Estação Eldorado. O foco do órgão é o cuidado com o transporte intramunicipal, como as linhas 002 e 003 – os ônibus de cor verde que fazem a linha Circular da cidade. “As empresas de ônibus querem que a gente esteja só lá, mas não é possível. Também, se fiscalizarmos só o metrô, os carros de transporte clandestino vão procurar novos locais”, diz. Segundo Rodrigues, noventa e cinco por cento do transporte ilegal em Contagem não acontece para dentro da cidade, mas para outros municípios como Mateus Leme, Pedro Leopoldo e Betim. “É possível interferir nestes casos, mas a Transcon não dá conta”, afirma Armando Rodrigues. Ele afirma que esses casos são de responsabilidade do Departamento de Estradas e Rodagem, o DER/MG. “O veículo que sai com passageiro clandestino não é um problema só de Contagem”, afirma.
O DER, Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais, informa que fiscaliza o transporte de carros e vans entre municípios, sendo que em julho 153 operações autuaram 1.358 veículos e apreenderam 30. Só em Contagem, o departamento informa que foram 12 operações, com 427 carros abordados e 4 apreendidos por transporte ilegal de passageiros.
O transporte irregular não é uma exclusividade da cidade de Contagem. Em Belo Horizonte, a BHTrans reconhece que ainda aconteça o transporte clandestino de pessoas. Porém, de forma mais específica para o transporte intermunicipal, ou seja, de pessoas que pegam conduções em locais como o Terminal Aarão Reis, Oiapoque e Rodoviária com destino a outras cidades da região metropolitana, como Ouro Preto e Mariana. Segundo a assessoria, a empresa credita a quantidade menor de casos de transporte intramunicipal em Belo Horizonte devido à presença e fiscalizações dos agentes. Isso porque a BHTrans acompanha a rotina de carros particulares suspeitos, faz fotografias e, munida de provas, aborda, multa e recolhe o documento do veículo, juntamente com a Polícia Militar.
PROFISSÃO DO BARULHO A poluição sonora causada pelos fiscais que trabalham no metrô Eldorado incomoda alguns passageiros. Os fiscais – ou despachantes – são profissionais contratados pelas empresas de ônibus para tentar diminuir a concorrência entre o serviço regularizado e os carros clandestinos. Os funcionários ficam no acesso traseiro da estação, na rua Jequitibás. O intuito é avisar sobre a chegada das linhas, mas para a auxiliar de escritório Andreza Martins, 33, eles utilizam uma forma inadequada. “Depois de um dia de trabalho, você espera seu ônibus ouvindo gritos e mais gritos. É muito desagradável”, conta. Segundo ela, a maior parte dos funcionários trabalha para linhas como 002 e 003, as linhas que circulam a cidade e que, por isso, transportam grande quantidade de passageiros.
Everton Campos, 28, é fiscal da empresa Saritur há 5 anos. Ele explica que o trabalho também tem o intuito de organizar o espaço. “Aqui não tem placa informando qual ônibus deve parar em qual local. O passageiro fica perdido sem saber onde o ônibus dele vai parar”, afirma. A Transcon reconhece a inexistência de sinalização no local e estuda um projeto de instalação de placas no local. “Vamos também fazer a rua Jequitibás se tornar mão única, para facilitar o trânsito na região”, explica. Quanto aos fiscais, a empresa explica que não é uma profissão regulamentada por convenção coletiva. “Reconhecemos como funcionário do transporte coletivo os motoristas, cobradores e pessoas da área administrativa”, afirma o coordenador de comunicação do órgão.
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Transporte clandestino na Estação Eldorado de metrô - reportagem para o Jornal Marco |