quarta-feira, 31 de julho de 2013

Movimentos buscam uma cidade mais bela e horizontal

O TEMPO apresenta alguns rostos dos milhares que tentam transformar a capital mineira

Fotografia sobre jornal / Arquivo pessoal

PUBLICADO EM 12/12/13 / ANDERSON ROCHA

Belo Horizonte pulsa, dança, questiona, gargalha, dialoga e diverte. Em 2013, no seu 116° ano de fundação, a capital mineira ganhou cor, e seus espaços públicos, uma outra função. Uma turma a ocupa, discute, reivindica, protesta e pode estar mudando o curso de uma das maiores metrópoles do país. São jovens de idades irrestritas, que vestem suas roupas de banho e vão à “praia” no centrão, dão vida ao prédio público largado e ao viaduto cansado do correr das máquinas. Seus gentílicos deveriam ser ampliados: não são só belo-horizontinos. São belos e são horizontais.

Esses moços e moças são pequenos pontos que ajudam a formar a teia de movimentos sociais que já vinham se organizando nos últimos anos de forma isolada, mas, neste ano, alcançaram o auge em termos de mobilização. Horizontais, eles afirmam não haver líderes ou representantes em suas mobilizações (como trabalha a viciada política tradicional), e belos, mantêm a coragem para tentar um presente diferente para o local onde vivem.

Eles são artistas plásticos e de teatro, arquitetos e urbanistas, pesquisadores, músicos e pessoas de uma infinidade de outras profissões. Uns abandonaram a carreira de formação para criar outra, mais simples; alguns ainda estudam e há aqueles que trabalham em projetos nas universidades que frequentam. Não sabem responder ao certo de onde vem o engajamento político: dos pais, dos livros e ou da lida diária com o escasso orçamento familiar.

Grupo no Luiz Estrela, em foto de Fernanda Carvalho (O Tempo).

Rostos. “Não há uma ‘cara do movimento’ ou um líder. É, portanto, um movimento mais plural, capaz de experiências riquíssimas, como a que ocupou uma construção pública”, explica Ricardo Ferreira Ribeiro, professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas. “A pluralidade, porém, atrapalha a definição de reivindicações mais claras e precisas, o que poderá dificultar a conquista de resultados”, complementa. A construção a que Ricardo se refere é o Espaço Comum Luiz Estrela, prédio público estadual inutilizado há 30 anos, e reocupado em outubro para a formação de um centro cultural, com diversas atividades.

Há alguns anos, moradores têm colocado sua cara à mostra para mobilizar a cidade, seja na atração que transformou uma praça da cidade em praia – movimento denominado Praia da Estação –, ou dos jovens do cenário hip hop em Minas, com suas batalhas de rimas improvisadas no Duelo de MCs, embaixo do Viaduto Santa Tereza.

Não se pode esquecer das manifestações de junho que, assim como em todo o Brasil, levaram milhares às ruas da cidade, e permitiram a ampliação ou o surgimento de movimentos como o Comitê dos Atingidos pela Copa e a Assembleia Popular Horizontal. Também neste ano, alguns integrantes desses movimentos fizeram outros belo-horizontinos perceberem que o Carnaval na capital mineira existe.

Todos esses – e outros – momentos e movimentos têm em comum o fato de que, em um curtíssimo espaço temporal (que não deve passar de seis anos), foi ampliada a exploração da cidade por parte de seus cidadãos. Um crescimento assustador na forma de ocupar a capital, apoiado pela força da agilidade das redes sociais e construída de uma maneira mais irreverente.

Nesta página, mostramos o perfil de alguns dos muitos participantes dessa onda que vem transformando a capital dos mineiros de uma maneira nova e descontraída.


QUEM SÃO ELES: OS PERFIS! 

1. Ozleo, designer
Uma boa batalha de hip hop tem que ter DJ, grafiteiro, pessoal da dança e os MCs

Leonardo Cezário, em foto de Fernanda Carvalho (OT).
“E quando junta tudo é hip hop. E quando é hip hop, o coração bate mais forte, tá ligado?”. As frases, cheias de energia, finalizaram a entrevista com Leonardo Cezário, 34, integrante do Duelo de MCs, maior movimento do estilo musical no Estado – e um dos principais do país.

Segundo Ozleo, como é conhecido, uma boa batalha de hip hop tem que ter DJ, grafiteiro, pessoal da dança e os MCs. O designer gráfico (autodidata) do Família de Rua– associação que cuida do duelo e executa outros trabalhos com apoio de leis de incentivo – foi criado nos bairros mais distantes da cidade.

“Cresci no Ipiranga e também morei no Goiânia (ambos na região Nordeste). Mudávamos muito e sempre de aluguel. E bairro mais afastado é assim: a gente vivencia mais a rua, vai todo mundo pra porta de casa quando tá calor”, relembra.

Mas não é de lá que o gosto pelo gênero surgiu, já que a mãe, uma professora do Estado, evitava, em respeito à religião, que ele e os cinco irmãos assistissem TV ou ouvissem rádio. O contato com o som veio com o skate, aos 14, quando ganhou um usado e com alguns defeitos, de um colega de trabalho.

“Eu ia à loja comprar peças, uma por mês, da forma que o dinheiro dava. Lá, conheci um skatista de verdade, envolvido com o movimento”, conta. Ele passou a usar o skate pela cidade com o grupo. Uma coisa levou à outra. Ele descobriu o hip hop. E não parou mais.


2. Guto Borges, músico e historiador
"A cidade destoava radicalmente como política urbana, cultural e como realidade social do restante do país”
Guto Borges, em foto de Fernanda Carvalho (OT).
Do conhecimento da história poderia vir a explicação para a inquietação como homem. E veio. Mas o pontapé para um engajamento ‘maior’, como ele diz, veio da banda de música, que o fez andar por aí, conhecendo uma parte deste país.

Historiador com mestrado pela UFMG, com trabalhos em história política e passagens na docência no ensino médio, o músico belo-horizontino Guto Borges,31, é uma das peças-chave para a compreensão do Carnaval de rua da cidade, logo ali, em 2009.

O homem, que conversa com a energia de um adolescente, participou da criação de blocos que viriam a ganhar carinho e adesão populares (como o do Peixoto) – e iriam, aliás, ser disseminados por diversas regiões da cidade.

A vontade de utilizar o espaço público veio mais forte com o surgimento da banda mineira Dead Lover's Twisted Heart (ele é guitarrista, tecladista e vocalista; Borges também toca na Orquestra Mineira de Brega e em apresentações na rua, sempre que é convidado).

Foi durante as turnês que Guto repensou sua cidade natal. É aquela história: sair para abrir a mente. “A DLTH surgiu em uma época em que Belo Horizonte estava se voltando à questão da música autoral”, conta.

“Nesse processo, começamos a conhecer outras bandas e redes de colaborações de música pelo Brasil. Fizemos nossa primeira turnê. E tudo isso me fez ver como a cidade estava com o freio de mão puxado em relação ao que o país vivia, na altura do campeonato, em 2010”.

Para ele, a cidade “destoava radicalmente como política urbana, cultural e como realidade social do restante do país”. “Isso fez a gente se encontrar radicalmente”, diz. E tentar mudar.


3. Natacha Rena, arquiteta
Natacha é uma das peças que ajudaram a formar A Ocupação e teve papel muito importante

Natacha Rena, em foto de Mariela Guimarães (OT).
A irmã mais velha de uma família de cinco filhos nasceu na biblioteca. É assim que Natacha Rena, 43, se refere à casa onde cresceu, em Viçosa, na Zona da Mata. Filha de professores, foi apresentada aos livros desde menina. Deu resultado. Ela é mestre em arquitetura e doutora em comunicação e semiótica. Mas parte da sua história não foi formada nas universidades.

Natacha é uma das peças que ajudaram a formar A Ocupação. Ela afirma e reafirma que não é a mais importante do movimento, que começou em uma das disciplinas que leciona, mas teve um papel importante.

Foi quando largou o escritório para lecionar é que começou a pôr em prática o que ela define como lado político de todo arquiteto, que pensa a segregação social urbana. Um dos primeiros trabalhos foi o Asas – Artesanato Solidário do Aglomerado da Serra, em que ofereceu design e arte por cinco anos. Hoje, além das aulas, Natacha coordena dois programas de extensão.

O deseja.ca, no Jardim Canadá, em Nova Lima, convida a comunidade a participar de atividades de artesanato, design e arquitetura. Já o Indisciplinar pesquisa o que não é visto ou falado. Em um dos métodos utilizados nos estudos, os pesquisadores fazem cartografias críticas de locais específicos da cidade: ambientes onde estão os catadores de papel, os vendedores ambulantes, os lavadores de carros, os pichadores e grafiteiros – todos que, em geral, estão excluídos dos mapas tradicionais.


4. Rafa Barros, antropólogo
Rafa Barros, 30, participa do Espaço Comum Luiz Estrela, no bairro Santa Efigênia

Rafa Barros, em foto de Fernanda Carvalho (OT).
Rafa Barros, 30, antropólogo formado em ciências sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, varre o Espaço Comum Luiz Estrela, no bairro Santa Efigênia, na região Leste de Belo Horizonte. Enquanto recolhe a sujeira do prédio público – antes abandonado, mas tomado por grupos culturais desde outubro –, ele explica que hoje integra a Associação Filmes de Quintal (que organiza o Forumdoc.bh e discute diversidade cultural) e o Conselho Municipal de Cultura, as atividades do Estrela e os blocos de Carnaval.

“Mas tudo começou bem antes”, ressalta, com voz serena e algum suor na testa, resultado do trabalho com a pá e o pó. Rafa conta que as influências da carreira vêm de Ibirité, na região metropolitana, onde foi criado “em rua de terra, no meio do mato”.

Incentivados por uma professora do “prezinho”, artista plástica da Escola de Belas Artes, ele – com 10 anos – e os colegas já apresentavam teatros na rua. Com a chegada de uma ONG, os temas discutidos foram ampliados. “Começamos a participar do processo eleitoral, dos movimentos de esquerda”, conta.

Dos pais, uma servidora pública e um contador e advogado, vieram o incentivo à religiosidade católica, com os preceitos das pastorais, de colaboração mútua. “Mas, se você me perguntar qual é a minha religião, vou dizer que sou congadeiro, do reinado de Nossa Senhora do Rosário. A verdade é que é uma confusão disso tudo que vai formando a gente”, conclui.


5. Marcella Bezerra, atriz
Ela integra o Núcleo de Pesquisa Teatro e Cidade, que, depois de peças, tem oficina com capoeira e teatro

Marcella Bezerra, em foto de Leo Fontes (OT).
Ainda pequena, a belo-horizontina Marcella Bezerra, 25, deixou a cidade com a família rumo a Guarapari, no Espírito Santo. Voltou há três anos, para estudar teatro. O interesse pelas questões sociais e por arte veio dos pais, artesãos.

Nada muito teórico, mas contextualizado à rotina e ao dia a dia da mãe que, separada, precisou construir sozinha a casa e o sustento dos três filhos. A mãe, aliás, é parceira. Musicista e animada, em visita a BH, montou um espetáculo com a filha e foram, as duas, se apresentar na rua.

“Tudo o que sei foi ela que me ensinou, a não ser o teatro”, afirma Marcella. Atualmente, além das atividades no Espaço Comum Luiz Estrela, que ajudou a construir, a artista faz aulas no Teatro Universitário da UFMG.

Bolsista da instituição, ela integra o Núcleo de Pesquisa Teatro e Cidade, em que apresenta “Capitães de Areia”, do baiano Jorge Amado, para meninos de rua. Depois da peça, tem oficina com capoeira e, claro, teatro. “Ator tem que fazer tudo”, explica.