sexta-feira, 25 de novembro de 2011

De pés no chão para voar - Jornal Marco (PUC Minas)

DE PÉS NO CHÃO PARA VOAR
ANDERSON ROCHA


“O primeiro vôo que eu fiz foi rapidinho. Decolei e, logo que pousei, meu pai quis jogar óleo em mim, pra me batizar”, conta o estudante John Tatton. (Mais fotos no fim da página)

Foi por acaso que o motorista Carlos Antônio de Paula (foto), 53, começou a praticar aeromodelismo. “Eu estava passando perto do clube e vi uns aviões no ar. Entrei, conheci, me apaixonei e agora não consigo sair”, conta, aos risos. O clube a que Carlos se refere é a Associação Mineira de Aeromodelismo, um dos três espaços especializados em vôo com miniaturas de avião e helicópteros em Belo Horizonte. A associação, localizada em Nova Lima, na rodovia BR 040 saída para o Rio de Janeiro, reúne por mês cerca de 150 pilotos – entre aprendizes e veteranos - para utilizar a pista de vôo. Para lá, os praticantes vão em busca de momentos, os quais todos se referiram com um sorriso no rosto: liberdade sem tirar os pés do chão.

O aprendiz Carlos tem ido à associação há 15 dias. No pouco tempo, já pilotou o próprio avião, comprado logo que conheceu o clube. Do primeiro vôo, a lembrança da agradável emoção. “O coração quase saiu pela boca”, conta. A sensação, porém, é acompanhada de um profissional. “A gente vem achando que é só chegar e voar. E não é: tem todo um treinamento, uma instrução”, explica. E é verdade.

De maneira semelhante ao processo de obtenção de uma carteira de habilitação para dirigir um automóvel, a pilotagem de um avião em miniatura também necessita de estudo, treino e prática. Já nas primeiras aulas, o aluno pilota o modelo treinador e aprende as regras de segurança. Vem a prova e, na torcida, a aprovação. A partir dali, a teoria vira prática, a prática se torna paixão: e a paixão se transforma em vício.

Um vício saudável, afirma o engenheiro mecânico Johnson Tatton. Dos 47 anos de idade, 26 tiveram o aeromodelismo como hábito, hobby. O início do contato veio no CEFET, na juventude. “O trabalho final da escola técnica era a construção de um motor para aeromodelo. A partir daquela época, fiquei empolgado e não parei mais”, conta. Hoje em dia, o principal prazer continua o mesmo: curtir o processo. “Primeiro, construir o avião, respeitando as noções de engenharia. Depois, ver se ele vai realmente voar”, conta. Logo em seguida, o prazer é focado na execução e superação de manobras e na capacidade de conseguir sempre consertar o próprio equipamento, caso seja necessário. “Esta sensação vicia de forma muito boa: é uma família de amigos que se encontra aqui todo domingo de manhã, sempre disponíveis a te ajudar”, diz.

E o aeromodelismo está mesmo registrado na história da família do engenheiro. Assim que se casou, o primeiro salário do primeiro emprego não foi para o eletrodoméstico ou para o móvel da casa. “Comprei um rádio-controle para aviões, que tenho até hoje. Falei para a minha esposa: a geladeira a gente compra depois”, relembra. E não para por aí.

Na prática aeromodelista, encontrar filhos que seguem os passos – e os vôos – dos pais é comum. O filho de Johnson, John Tatton, 15, é um exemplo. Para ele, a melhor das sensações é poder voar em alta velocidade. “O avião, em um vôo rasante, pode chegar até a 110 km por hora. É emocionante”, diz. O estudante secundarista pratica futebol e vôlei. Mas, não se engane. Perguntado sobre qual das atividades tem preferência, a resposta vem quase tão rápida quanto a velocidade de um avião: “Aeromodelismo”, diz. “Eu sou mais quieto, tranqüilo. O avião é mais adequado e divertido”, conta.  





PROFISSIONAL OU MINIATURA? Será que quem pilota aviões de miniatura já quis ser piloto de aeronaves grandes e profissionais? O engenheiro Wellington de Carvalho Alpoim, 57, sim. “Meu pai era instrutor de pilotagem de aviões profissionais. Eu sempre quis ser como ele, mas minha mãe nunca deixou, por medo de acidente”, conta. Sem possibilidade de voar, o aeromodelismo surgiu como alternativa aos sete anos de idade. “Era um modelo bem simples, mas era muito legal”, relembra. Hoje em dia, ele investe o tempo livre na pilotagem e no acompanhamento da literatura de vôos. Questionado sobre a possibilidade de ser piloto profissional hoje, ele responde negativamente. “A idade não permite. O reflexo e a visão não são mais os mesmos”, explica.

Nem todos, porém, vêem o aeromodelismo como compensação ou alternativa à pilotagem profissional. César Rodrigues, 55, por exemplo, nunca quis comandar um avião de verdade. “A sensação boa é estar no chão, pilotando algo mais pesado que o ar, de forma remota”, explica. “Nestes 25 anos de vôo, o prazer mesmo sempre foi observar a ambiência, observar como o aeromodelo se comporta com o vento e como ele toca na pista. É uma emoção”, complementa.

E, claro, fazer manobras radicais. O piloto e instrutor Karl Sicherl (foto), 27, explica que é possível fazer no aeromodelo 12 ou 13 acrobacias iguais às feitas em aeronaves. O looping, na qual o aeromodelo decola e gira, verticalmente, em 360º, é um dos mais utilizados. Além dele, o roll, no qual o avião gira em torno do próprio eixo, e o dorso, em que o modelo voa de cabeça pra baixo, são os mais procurados pelos praticantes.



COMO VOAR O primeiro passo é procurar algum estabelecimento com bons profissionais para a indicação de um modelo de avião, explica o instrutor e dono de loja de aeromodelos Karl Sicherl, 27. “O aeromodelo iniciante é conhecido como treinador”, explica. Em seguida, a pessoa deve ir atrás de algum clube de vôo para receber aulas teóricas e práticas de aeromodelismo, com um instrutor capacitado. As aulas devem ser feitas neste local. Em Belo Horizonte existem três destas associações. “Com quatro ou cinco aulas, a pessoa já vai poder fazer o teste para tirar a carteira de vôo”, explica o instrutor.

As aulas são importantes para evitar acidentes, que são raros, mas que podem levar à morte de alguma pessoa”, explica Karl. “Uma pessoa pode pilotar em um campo de futebol ou mesmo em um sítio, mas não é adequado. O ideal é se filiar a um clube de vôo e fazer tudo com segurança”, adverte.


O PREÇO DO VOO A prática de aeromodelismo no Brasil ainda é pouco conhecida. Dados da Confederação Brasileira de Aeromodelismo estimam em 70 mil o número de praticantes da atividade, que não é considerada esporte, mas hobby. “Em outros países, o aeromodelismo é um esporte regulamentado, como na Argentina e Chile”, explica Johnson Tatton. Isto, porém, não impede os diversos campeonatos regionais e nacionais que reúnem milhares de aeromodelistas por todo o Brasil.


Piloto há 25 anos, o instrutor de vôo César Rodrigues explica que, em todo o mundo, o aeromodelismo movimenta milhões de dólares, devido ao desenvolvimento de peças, design e motores para aviões em miniatura. No Brasil, o aumento da prática veio com a liberação das importações, na década de 80. “Nesta época, com uma certa popularização, nós passamos a conseguir materiais com preços menores”, explica o engenheiro e piloto Johnson Tatton.

Um dos motivos para a pouca difusão pode ser justamente o econômico. Para ser um aeromodelista, a pessoa precisa desembolsar cerca de 3 mil reais de início, entre equipamentos e filiação àlguma associação de vôo. O valor é alto, mas já foi maior. “Hoje não é tão caro, pois temos a indústria nacional desenvolvendo peças para os motores e equipamentos”, explica o instrutor César Rodrigues.

Na Associação Mineira de Aeromodelismo, os custos com aeromodelo ficam em, média em R$ 1500 reais, e os custos com aulas (R$ 60 reais a aula), cota (R$ 1.200) e trimestralidade (R$ 120,00) chegam ao total de R$ 3000 reais em média. (veja quadro)



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E QUEM DISSE QUE MULHER NÃO PARTICIPA? Para Karl, a mulher não se sente tão à vontade em um ambiente voltado para o público masculino. “E falta divulgação para elas”, opina. Bruna Seabra Guimarães, no entanto, ficou sabendo do hobby de dentro de casa, através do pai. A estudante de ensino médio, de 17 anos, pilota há mais de dois anos e tem dois aviões em casa, só dela. Os dois funcionam por controle-remoto, mas têm tamanhos e alimentação de combustível diferentes. O maior, de 50 cilindradas, é mais potente e chega a assustar a piloto. “Fico insegura, nervosa. Faço vôos rápidos com eles, assumo”, conta. Com o menor, ela arrisca manobras e se sente tranqüila. “Faço o looping e outras manobras. É tão bom. Dá até falta de ar”, conta.

A técnica de enfermagem Lidiane Graciela Silva, 29, ainda não pilota. Mas vem acompanhando o namorado, piloto, desde o início do namoro, há três meses. “Gosto de vir aqui, no clube. Vou aprendendo um pouquinho, ele me mostra uma peça, me ensina alguma coisa. Quem sabe daqui a pouco eu não estou aprendendo a voar também?”, brinca. Mas ela concorda: mulher no clube tem pouco. “É muito difícil de ver. Uma vez ou outra tem uma esposa acompanhando”, conta. Para o namorado, o consultor de vendas Washington Brandão, 40, a companhia é agradável. “É um passeio. A gente conversa, faz planos e ela me vê pilotar”, conta. “É uma válvula de escape estar aqui”, complementa.


QUANTO CUSTA VOAR

Modelo à combustão: mais potente. Autonomia de vôo e velocidade
maiores.

Aeromodelo RTF (“ready to fly” ou pronto para voar) básico: 1.300 reais
Galão de combustível de 3,6 litros: 65 reais (combustível específico para
aeromodelos)
Bomba de combustível e bateria: 250 reais
Total: 1.600 reais
Tanque: 300 ml = autonomia de vôo de 20 minutos

Modelo elétrico: mais barato. Duração de vôo menor.

Aeromodelo: 800 reais
Baterias: varia de 60 a 350 reais
Total: aproximadamente 1000 reais
Tanque: 300 ml = autonomia de vôo de 9 minutos

Dica: o praticante pode comprar equipamentos de vôo semi-novos.

* Valores médios aproximados referentes à Associação visitada pela reportagem


MAIS INFORMAÇÕES
http://www.cobra.org.br/ Site da Confederação Brasileira de Aeromodelismo
http://www.amamg.org/ Site da Associação Mineira de Aeromodelismo





GALERIA DE FOTOS

O instrutor César Rodrigues e o aluno Carlos Antônio de Paula 
Karl Sicherl, instrutor e dono de loja de equipament​os para aeromodelo 
Karl Sicherl

Aeromodelo na pista
Fotos: Anderson Rocha