DE PÉS NO CHÃO PARA VOAR
ANDERSON ROCHA
“O primeiro vôo que eu fiz foi rapidinho. Decolei e, logo que pousei, meu pai quis jogar óleo em mim, pra me batizar”, conta o estudante John Tatton. (Mais fotos no fim da página) |
Foi
por acaso que o motorista Carlos Antônio de Paula (foto), 53, começou a praticar
aeromodelismo. “Eu estava passando perto do clube e vi uns aviões no ar. Entrei,
conheci, me apaixonei e agora não consigo sair”, conta, aos risos. O clube a que
Carlos se refere é a Associação Mineira de Aeromodelismo, um dos três espaços
especializados em vôo com miniaturas de avião e helicópteros em Belo Horizonte.
A associação, localizada em Nova Lima, na rodovia BR 040 saída para o Rio de
Janeiro, reúne por mês cerca de 150 pilotos – entre aprendizes e veteranos -
para utilizar a pista de vôo. Para lá, os praticantes vão em busca de momentos,
os quais todos se referiram com um sorriso no rosto: liberdade sem tirar os pés
do chão.
O
aprendiz Carlos tem ido à associação há 15 dias. No pouco tempo, já pilotou o
próprio avião, comprado logo que conheceu o clube. Do primeiro vôo, a lembrança
da agradável emoção. “O coração quase saiu pela boca”, conta. A sensação, porém,
é acompanhada de um profissional. “A gente vem achando que é só chegar e voar. E
não é: tem todo um treinamento, uma instrução”, explica. E é verdade.
De
maneira semelhante ao processo de obtenção de uma carteira de habilitação para
dirigir um automóvel, a pilotagem de um avião em miniatura também necessita de
estudo, treino e prática. Já nas primeiras aulas, o aluno pilota o modelo
treinador e aprende as regras de segurança. Vem a prova e, na torcida, a
aprovação. A partir dali, a teoria vira prática, a prática se torna paixão: e a
paixão se transforma em vício.
Um
vício saudável, afirma o engenheiro mecânico Johnson Tatton. Dos 47 anos de
idade, 26 tiveram o aeromodelismo como hábito, hobby. O início do contato veio
no CEFET, na juventude. “O trabalho final da escola técnica era a construção de
um motor para aeromodelo. A partir daquela época, fiquei empolgado e não parei
mais”, conta. Hoje em dia, o principal prazer continua o mesmo: curtir o
processo. “Primeiro, construir o avião, respeitando as noções de engenharia.
Depois, ver se ele vai realmente voar”, conta. Logo em seguida, o prazer é
focado na execução e superação de manobras e na capacidade de conseguir sempre
consertar o próprio equipamento, caso seja necessário. “Esta sensação vicia de
forma muito boa: é uma família de amigos que se encontra aqui todo domingo de
manhã, sempre disponíveis a te ajudar”, diz.
E
o aeromodelismo está mesmo registrado na história da família do engenheiro.
Assim que se casou, o primeiro salário do primeiro emprego não foi para o
eletrodoméstico ou para o móvel da casa. “Comprei um rádio-controle para aviões,
que tenho até hoje. Falei para a minha esposa: a geladeira a gente compra
depois”, relembra. E não para por aí.
Na
prática aeromodelista, encontrar filhos que seguem os passos – e os vôos – dos
pais é comum. O filho de Johnson, John Tatton, 15, é um exemplo. Para ele, a
melhor das sensações é poder voar em alta velocidade. “O avião, em um vôo
rasante, pode chegar até a 110 km por hora. É emocionante”, diz. O estudante
secundarista pratica futebol e vôlei. Mas, não se engane. Perguntado sobre qual
das atividades tem preferência, a resposta vem quase tão rápida quanto a
velocidade de um avião: “Aeromodelismo”, diz. “Eu sou mais quieto, tranqüilo. O
avião é mais adequado e divertido”, conta.
PROFISSIONAL OU MINIATURA? Será
que quem pilota aviões de miniatura já quis ser piloto de aeronaves grandes e
profissionais? O engenheiro Wellington de Carvalho Alpoim, 57, sim. “Meu pai era
instrutor de pilotagem de aviões profissionais. Eu sempre quis ser como ele, mas
minha mãe nunca deixou, por medo de acidente”, conta. Sem possibilidade de voar,
o aeromodelismo surgiu como alternativa aos sete anos de idade. “Era um modelo
bem simples, mas era muito legal”, relembra. Hoje em dia, ele investe o tempo
livre na pilotagem e no acompanhamento da literatura de vôos. Questionado sobre
a possibilidade de ser piloto profissional hoje, ele responde negativamente. “A
idade não permite. O reflexo e a visão não são mais os mesmos”,
explica.
Nem
todos, porém, vêem o aeromodelismo como compensação ou alternativa à pilotagem
profissional. César Rodrigues, 55, por exemplo, nunca quis comandar um avião de
verdade. “A sensação boa é estar no chão, pilotando algo mais pesado que o ar,
de forma remota”, explica. “Nestes 25 anos de vôo, o prazer mesmo sempre foi
observar a ambiência, observar como o aeromodelo se comporta com o vento e como
ele toca na pista. É uma emoção”, complementa.
E,
claro, fazer manobras radicais. O piloto e instrutor Karl Sicherl (foto), 27, explica
que é possível fazer no aeromodelo 12 ou 13 acrobacias iguais às feitas em
aeronaves. O looping, na qual o aeromodelo decola e gira, verticalmente, em
360º, é um dos mais utilizados. Além dele, o roll, no qual o avião gira em torno
do próprio eixo, e o dorso, em que o modelo voa de cabeça pra baixo, são os mais
procurados pelos praticantes.
COMO VOAR O
primeiro passo é procurar algum estabelecimento com bons profissionais para a
indicação de um modelo de avião, explica o instrutor e dono de loja de
aeromodelos Karl Sicherl, 27. “O aeromodelo iniciante é conhecido como
treinador”, explica. Em seguida, a pessoa deve ir atrás de algum clube de vôo
para receber aulas teóricas e práticas de aeromodelismo, com um instrutor
capacitado. As aulas devem ser feitas neste local. Em Belo Horizonte existem
três destas associações. “Com quatro ou cinco aulas, a pessoa já vai poder fazer
o teste para tirar a carteira de vôo”, explica o instrutor.
As
aulas são importantes para evitar acidentes, que são raros, mas que podem levar
à morte de alguma pessoa”, explica Karl. “Uma pessoa pode pilotar em um campo de
futebol ou mesmo em um sítio, mas não é adequado. O ideal é se filiar a um clube
de vôo e fazer tudo com segurança”, adverte.
O PREÇO DO VOO A prática de aeromodelismo no Brasil ainda é pouco conhecida. Dados da
Confederação Brasileira de Aeromodelismo estimam em 70 mil o número de
praticantes da atividade, que não é considerada esporte, mas hobby. “Em outros
países, o aeromodelismo é um esporte regulamentado, como na Argentina e Chile”,
explica Johnson Tatton. Isto, porém, não impede os diversos campeonatos
regionais e nacionais que reúnem milhares de aeromodelistas por todo o
Brasil.
Piloto
há 25 anos, o instrutor de vôo César Rodrigues explica que, em todo o mundo, o
aeromodelismo movimenta milhões de dólares, devido ao desenvolvimento de peças,
design e motores para aviões em miniatura. No Brasil, o aumento da prática veio
com a liberação das importações, na década de 80. “Nesta época, com uma certa
popularização, nós passamos a conseguir materiais com preços menores”, explica o
engenheiro e piloto Johnson Tatton.
Um
dos motivos para a pouca difusão pode ser justamente o econômico. Para ser um
aeromodelista, a pessoa precisa desembolsar cerca de 3 mil reais de início,
entre equipamentos e filiação àlguma associação de vôo. O valor é alto, mas já
foi maior. “Hoje não é tão caro, pois temos a indústria nacional desenvolvendo
peças para os motores e equipamentos”, explica o instrutor César Rodrigues.
Na
Associação Mineira de Aeromodelismo, os custos com aeromodelo ficam em, média em
R$ 1500 reais, e os custos com aulas (R$ 60 reais a aula), cota (R$ 1.200) e
trimestralidade (R$ 120,00) chegam ao total de R$ 3000 reais em média. (veja
quadro)
.
E QUEM DISSE QUE MULHER NÃO PARTICIPA? Para
Karl, a mulher não se sente tão à vontade em um ambiente voltado para o público
masculino. “E falta divulgação para elas”, opina. Bruna Seabra Guimarães, no
entanto, ficou sabendo do hobby de dentro de casa, através do pai. A estudante
de ensino médio, de 17 anos, pilota há mais de dois anos e tem dois aviões em
casa, só dela. Os dois funcionam por controle-remoto, mas têm tamanhos e
alimentação de combustível diferentes. O maior, de 50 cilindradas, é mais
potente e chega a assustar a piloto. “Fico insegura, nervosa. Faço vôos rápidos
com eles, assumo”, conta. Com o menor, ela arrisca manobras e se sente
tranqüila. “Faço o looping e outras manobras. É tão bom. Dá até falta de ar”,
conta.
A
técnica de enfermagem Lidiane Graciela Silva, 29, ainda não pilota. Mas vem
acompanhando o namorado, piloto, desde o início do namoro, há três meses. “Gosto
de vir aqui, no clube. Vou aprendendo um pouquinho, ele me mostra uma peça, me
ensina alguma coisa. Quem sabe daqui a pouco eu não estou aprendendo a voar
também?”, brinca. Mas ela concorda: mulher no clube tem pouco. “É muito difícil
de ver. Uma vez ou outra tem uma esposa acompanhando”, conta. Para o namorado, o
consultor de vendas Washington Brandão, 40, a companhia é agradável. “É um
passeio. A gente conversa, faz planos e ela me vê pilotar”, conta. “É uma
válvula de escape estar aqui”, complementa.
QUANTO CUSTA VOAR
Modelo à combustão: mais potente. Autonomia de vôo e velocidade
maiores.
Aeromodelo RTF (“ready to fly” ou pronto para voar) básico: 1.300 reais
Galão de combustível de 3,6 litros: 65 reais (combustível específico para
aeromodelos)
Bomba de combustível e bateria: 250 reais
Total: 1.600 reais
Tanque: 300 ml = autonomia de vôo de 20 minutos
Modelo elétrico: mais barato. Duração de vôo menor.
Aeromodelo: 800 reais
Baterias: varia de 60 a 350 reais
Total: aproximadamente 1000 reais
Tanque: 300 ml = autonomia de vôo de 9 minutos
Dica: o praticante pode comprar equipamentos de vôo semi-novos.
* Valores médios aproximados referentes à Associação visitada pela reportagem
MAIS INFORMAÇÕES
http://www.cobra.org.br/ Site da Confederação Brasileira de Aeromodelismo
http://www.amamg.org/ Site da Associação Mineira de Aeromodelismo
GALERIA DE FOTOS
O instrutor César Rodrigues e o aluno Carlos Antônio de Paula |
Karl Sicherl, instrutor e dono de loja de equipamentos para aeromodelo |
|
Aeromodelo na pista |
Fotos: Anderson Rocha